O Brasil vivia o fim do regime militar, mas as lembranças e conseqüências da dura década de 70 ainda se
mantinham presentes na vida dos brasileiros. O desejo por uma real democracia consumia o país e movimentos em favor do direito de voto para eleição do Presidente da República ganhavam força. Aquela que ficaria marcada na história como uma das maiores manifestações de massa já existentes na nossa história, a “Diretas Já”, levou milhares de brasileiros às ruas, políticos aos palanques e a imprensa à tomar algum partido (ainda que isso tenha ocorrido, em sua maioria, depois que era evidente a dimensão do movimento e claro, de acordo com seus interesses próprios).
O povo, como que tirando de si o silêncio que o perturbou por anos, gritava com entusiasmo e a quem quisesse escutar: “Um, dois, três, quatro, cinco mil, queremos eleger o presidente do Brasil". Artistas da música popular brasileira mais uma vez se mostraram e com suas letras e canções criaram verdadeiros hinos, mobilizando e comovendo toda uma multidão, como Milton Nascimento, que em “Coração de Estudante” cantou: “Já podaram seus momentos/Desviaram seu destino/Seu sorriso de menino/Tantas vezes se escondeu/Mas renova-se a esperança/Nova aurora a cada dia/E há que se cuidar do broto/Pra que a vida nos dê flor e fruto”.
Chico Buarque de Holanda, que tanto se destacou por cantar à liberdade na época da repressão, aparece em 1984 vendo “a cidade a cantar a evolução da liberdade” e relembrando em “Vai Passar”: “Num tempo/ Página infeliz da nossa história/Passagem desbotada na memória/Das nossas novas gerações/Dormia/A nossa pátria mãe tão distraída/Sem perceber que era subtraída/ Em tenebrosas transações” as tristes marcas da ditadura.
No cenário musical brasileiro também ocorria suas revoluções. No início da década, a MPB ainda se fazia muito forte, o que impedia outros estilos ganharem confiança das gravadoras e alcançarem seus espaços nas rádios FM. Apesar disso surgia o que Nelson Mota batizaria de BROCK: o pop rock nacional.
Com músicas irreverentes e de variadas influências, bandas como a Blitz, formada por Lobão, Fernanda Abreu e Evandro Mesquita, tornaram-se grandes ícones da época, com sucessos como “Você não soube me Amar”. Junto a ela, uma banda liderada por um “rebelde sem causa”, filho do presidente da gravadora Som Livre revoluciona a música da época. Esse rebelde de classe média ficaria conhecido como o “poeta exagerado” Cazuza, e com seus amigos formaria uma das maiores bandas brasileiras, o Barão Vermelho.
Em 1985 acontecia o Rock in Rio. No dia da apresentação do Barão Vermelho, Tancredo Neves é eleito Presidente da República. Cazuza durante o evento anunciou esse fato antológico na história, e com a bandeira do Brasil cantou “Pro dia nascer feliz”, sendo um dos grandes momentos do evento daquele ano.
Bandas como Ultrage A Rigor, Camisa de Vênus e Titãs surgem com um rock satírico, mas que carregam letras com protestos e que retratam a política do momento. As bandas de Brasília, tendo como maior representante Renato Russo e a Legião Urbana chegam com o puro rock nas melodias e letras fortes. Porém, o grande sucesso da época acontece com o RPM e suas Revoluções por Minuto. Com recordes de vendas (3 milhões de discos), o trio se tornou uma das mais bem sucedidas bandas da história da música brasileira. “Rádio Pirata”, “Olhar 43” e “Alvorada Voraz” foram alguns de seus maiores hits, e Paulo Ricardo, vocalista do RPM, considerado um sex symbol da época.
Enquanto nas rádios o rock brasileiro já havia alcançado seu lugar, nas ruas do país o que se comemorava era a grande vitória do povo: Acontecia a primeira eleição direta para presidente da República após o longo período de Regime Militar. Fernando Collor de Mello era eleito. A pátria, que enfim respirava a democracia, se viu mal representada e a partir daí um novo capítulo da historia do Brasil era escrito.
Nossa história se encontra marcada em cada uma dessas revoluções (e por que não evoluções?) e nas músicas, que são registros eternos de uma época, de uma história que a cada dia é construída. E assim, tentamos responder a pergunta que um poeta do rock já nos fez certa vez: “Que país é esse?”.